terça-feira, outubro 21, 2008

Ciclo da Intimidade


Muitas vezes começa com um intermediário. Um conhecido em comum, alguém neutro, que faz o meio de campo para resolver os interesses mútuos.

Tudo começa com um olhar. Seja num bar, na escola, no trabalho ou mesmo no avatar do msn. Tudo começa com um olhar. Conforme a intimidade vai crescendo, pega-se na mão, raspa-se na coxa, acaricia-se o cabelo. Do cabelo pode-se descer pra nuca e de repente, o beijo na boca ansiosa. Então todo o corpo quer um pouquinho, e vai-se passeando por todos os cantinhos, até não haver um único lugar nunca visitado. Talvez um, dependendo do desprendimento.

Assim fica por um tempo. Acesso total e irrestrito. Tem-se aquela suprema sensação de intimidade, de que se é a única pessoa do mundo a ter credenciais para visitar aquele território restrito. Exclusividade total e privilégio imenso. Basta saber o que fazer com tudo isso. Para descobrir, se experimenta.

De ponta cabeça, na ponta da cama, dentro do carro, no sofá da sala, com chantilly, com leite condensado, com champagne, dentro da água, dentro do chuveiro, na mesa da cozinha, no elevador, com algemas, sem as mãos, sem olhar, quietinho, falando baixarias, de bombeiro, de estudante. Ufa...

Não se sabe quando, nem exatamente por que, mas pouco a pouco tudo isso começa a diminuir, o sofá pode continuar mas as fantasias ficam no armário. Em certo momento o chantilly só aparece no sundae, e os banhos não levam mais de que seu tempo burocrático. E quando se dá por conta, todo aquele terreno que um dia foi tão bem explorado se transformou em cenário de sonho. Daqueles em que você sonha que está na escola mas as coisas não se encaixam completamente. Tem uma piscina na quadra de futebol e as classes são todas marrons.

Daí pra frente é questão de tempo. Primeiro as bocas, que um dia pareciam uma só de tanto que se conheciam, agora se cumprimentam como estranhas. A mão não visita a nuca há muito tempo e os cabelos só são lembrados quando bloqueiam o filme da TV. O espaço no sofá aumenta e numa tarde qualquer de domingo as mãos se descolam, e só acenam um melancólico adeus.

Muitas vezes termina com um intermediário. Um conhecido em comum, alguém neutro, que faz o meio de campo para resolver os interesses comuns.

3 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto alguns melancolizam, outros comemoram não haver eternidade que se sustente por muito tempo. Questão de estilo. De qualquer forma, ajuda a lembrar que nada é nunca totalmente bom ou totalmente mau.

Kris Arruda disse...

É Cá, agridoce pra variar né...

Anônimo disse...

Certamente. Pensei em outra coisa depois, sobre exclusividade total e privilégio imenso: aos verdadeiros territórios restritos, muitas vezes nem nós mesmos temos acesso. É o máximo da ilusão essa coisa de possuir o outro. Agridoce. Palavra bonita, essa...