sexta-feira, outubro 26, 2007

Dignidade




Não tinha jeito, um dia ia acontecer. Afinal faz uns cinco anos que vou lá. E esse momento foi chegando aos poucos. Um dia uma velhinha, outra a mãe de alguém, até uma ex-namorada. Um dia uma mulher da minha idade me veria naquela situação. Não, ninguém me viu no Trianon trabalhando de michê. Foi fazendo amaciamento no cabeleireiro mesmo. Lá se foi minha dignidade.

Estava desprevenido, lendo uma revista qualquer de fofoca (as 45 celebridades mais bem vestidas), Johnny circundava a cadeira passando uma pasta nada cheirosa nas madeixas até então exageradamente enroladas. O Avental preto escondia minha gravata, o que poderia muito bem me dar o mínimo de virilidade naquele momento. Mas não. Nada aliviava minha situação. Nenhuma mulher me ligou, nenhum amigo chamando pra jogar bola, nem coçar o saco eu podia.

Ela era uma loira alta, recém chegada do Caribe. Tinha vindo retocar as mexas ao que parecia e aproveitaria para fazer a sobrancelha, digna. Não eu. Nesse dia em especial estava fazendo o amaciamento que faço dois dias por ano. Nos outros apenas corto, como um homem pode ser visto sem problema. Não era essa a situação. As coisas pareciam que não podiam piorar.

Ingênuo. Fui pro lavatório e obviamente sentei do lado dela. Nada de ninguém me ligar. Geralmente quem lava meu cabelo é a nariguda andréa. Nariguda no bom sentido. Mas nesses dias especiais quem lava é o próprio Johnny, ou seu assistente Ary. Johnny, é um cara super legal, como a maioria dos cabelereiros que conheço é gay, e como a maioria dos gays que conheço sabe conversar e é culto. Portanto, sem problemas com ele. Mas isso não faz eu apreciar suas mãos nos meus cabelos. Nunca gostei, acho que sou machista nesse sentido, nunca faria massagens com um homem como os jogadores de futebol fazem por exemplo. Mas cortar o cabelo tudo bem, não tem jeito, eles são especialistas. Que me perdoe meu antigo barbeiro. Valmor.

Voltando ao lavatório. Johnny passou o resto das melecas que tinha pra passar nos fios agora bem mais retos, e quando passou o controle para Andréa a caribenha voltou para a cadeira. Inferno.

Depois de aproveitar uma massagem capilar de mãos femininas voltei a cadeira. O cabelo escorrido (fica assim só por alguns minutos, logo se revela, ainda que mais timidamente, sua descendência Afro) cai no rosto e pareço um vocalista de grupo Emo, o que não ajuda muito minha situação. Johnny faz sua mágica, o cabelo fica bacana, penso que valeu a pena toda a humilhação, mas ainda voltarei para casa com o orgulho ferido.

Na última lavagem antes de ir embora me encontro novamente com a caribenha no lavatório, não para de falar, sua voz estridente domina o ambiente, me fazendo imaginar como ela vai tirar barato da minha cara com as amigas, mas aos 45 do segundo tempo Johnny corre para me salvar. Meio de longe ele faz um sinal para a moça, que se faz de desentendida. Obrigando ele a verbalizar o gesto.

- Carol, e o Buço? Vai depilar?

Um comentário:

Anônimo disse...

Hahahaha. Coitada dela, deve ter ficado morrendo de vergonha!

Normal, no cabelereiro é assim mesmo. Não se sinta mal só por estar fazendo tratamento capilar (assim é melhor que amaciamento). Pelo menos você se importa! Hehehe.

Beijos