terça-feira, abril 25, 2006

Dentro da Caixa.

As fotos de minhas antigas namoradas, nunca rasguei. Não me dão saudades. Mentira. Não representam nada pra mim.Verdade parcial. Não tem como dizer que algo que um dia significou tanto simplesmente se apague como uma velha Polaroid.

Quando nos envolvemos em um relacionamento de verdade, seja um noivado de sete anos ou uma leviandade com uma prima de segundo grau, doamos parte de nós ao conjunto que formamos com essa pessoa. Certas palavras, apelidos e lugares ficarão eternamente vinculados a soma dos dois. Nem seu, nem dela, dos dois.

Isso não é maldição, nem digno de pesar, é apenas parte do que somos. Uma parte sua ainda vai chamá-la de “gatinha”, parte dela ainda vai lhe chamar de “gostoso”. Não que isso tenha alguma coisa a ver com gostosura. E muito menos você a confunde com algum tipo de felino, uma onça quem sabe, se o desligamento for recente.

Mas como seguir a vida com todo seu passado tão presente. As memórias, as imagens, sons e cheiros, sempre mexendo com sua cabeça, lhe trazendo aquele constante temor de ato falho. Os fotos só se rasgam fisicamente. Esse desrespeito consigo mesmo não é capaz de apagar as imagens gravadas.

Eu tenho um processo. Começo tirando as fotos dos murais, dos porta-retratos na cabeceira da cama, do fundo do celular. Acho um lugar especial, um depósito muito bem cuidado, isolado, separo numa caixa adequada todos os restaurantes de tardes de sábado, todas as pousadas simples e mágicas de fins de semana de setembro, não deixo pra trás nem aquelas risadas gostosas deitados no sofá da casa dela. Com o cuidado que se pega um jogo de copo de cristais que se ganha de herança, daqueles que queria muito, mas sabe-se que nunca vai usar, deposito tudo no fundo dessa caixa. Fecho vagarosamente, deixando a tampa deslizar aos poucos, assisto esse eclipse permanente de lembranças sabendo que nunca observarei algo igual. Só similar. Coloco numa estante, para me esperar como aquela bonita edição da Divina Comédia. O Inferno, O Purgatório e O Paraíso todos juntos, uma obra-prima que dificilmente vou ler por completo. Apenas gosto de ter, acho importante. Enfim fecho o depósito, sem ter que olhar pra trás. Só levo de lá a experiência necessária para seguir em frente.

Na vida, seguimos colecionando novo material. O passar dos anos deixa os registros mais nítidos, mais fortes, admiramos novos contrastes, interessantes e reconhecemos uma má composição com muito mais rapidez. O aperfeiçoamento nos faz acreditar que a foto perfeita parece estar cada vez mais próxima. Se tal coisa fosse possível. No fundo, todos nós, românticos e realistas sabemos que o amor acaba, a paixão passa e o fim é solitário. Se você não está sozinho (mesmo que alguém esteja o velando) é porquê ainda não é o fim. Não levamos nada, nem ninguém daqui.

Nas caixas sim as coisas fluem como supomos que devem fluir. Não precisamos nos render a insensíveis verdades ou doloridas conclusões. Nas caixas, o fim é hollywoodiano. Velhinhos de mãos dadas. Amor eterno. Paixão contínua. São assim, como verdadeiramente são.

2 comentários:

Anônimo disse...

adoro amores hollywoodianos... :o)
muito bom o texto.
te amo. um beijão

Anônimo disse...

Kris, esse é o texto mais emocionante que você já escreveu (ou pelo menos dos seus textos que já li!). Transmite emoções muito verdadeiras. Acho que também passei por todas elas, e concordo plenamente quando você diz que fazem parte de nós. Não compreendo aquelas pessoas que querem ignorar o passado da outra (principalmente quando se lançam num novo relacionamento). Se assim fizerem, escolherão ignorar a maior parte da pessoa, ou uma das mais importantes, que é o seu passado. É uma receita para o novo relacionemento dar errado. Tampouco entendo as pessoas que tentam destruir tudo relativo à outra, tudo que a recorda, que ela tocou. Como se fosse possível. E as suas mãos que a tocaram, a sua boca que a beijou? Ou depois de romper com a ex você vai rasgar as fotos dela e cortar fora o seu... Enfim, você entendeu. É isso aí. Mostrou muita maturidade e sensibilidade, e se eu estivesse aí te dava um abraço.