domingo, agosto 29, 2010

Beatificação


Todo mundo sabe, todo mundo sente, basta alguém morrer para se iniciar o processo de beatificação daquele que não está mais por aqui. Nos esquecemos, relevamos, ou nos sentimos cruéis em apontar os defeitos de quem não mais pode se defender.

Bem, eu tento não ser assim. Hoje, o primeiro cão a fazer parte da minha vida deu seus últimos suspiros. Sei que para quem não tem animais de estimação, é difícil entender a importância que esses tem em nossas vidas, mas sem medo de errar, é a mesma importância de um membro de família. Se não maior.

Cães, diferentemente de pessoas, não são capazes de fazer o mal. Por mais que ataquem, mordam, o fazem instintivamente, sem ter a mínima noção do que é certo ou errado.

Jazz era mais um cão. Como todos, o mais esperto do planeta, para seus donos, mas era um cão comum. Vendido como pinscher, cara de Fox Paulistinha, legítimo espírito de Vira-lata. Sua principal característica, gula. De porte pequeno, chegou a comer bolos, pães e seu recorde oficial, um Panettone inteiro. (Mad Respect).

Claro que essas coisas nos deixavam fulos da vida. Não faz muito tempo, ele roubou o hamburger de um Mexican Italian que havia pedido no América. E eu estava faminto. Dávamos bronca, deixávamos de castigo. Pais e filhos.

O fato é que agora, começou a beatificação do Jazz. Ele aparece em nossa memória como um lorde, o exemplo de cão a ser seguido. O que obviamente é uma bobagem. Ele era plebeu mesmo, combinava com sua família.

Então penso, porque temos essa mania de beatificar os que se vão. Sejam parentes falecidos, bichinhos ou até ex-namoradas(os) que de certa maneira, morrem em nossas vidas. Por que deixamos de lado tudo que um dia nos enervou tanto? E só lembremos dos bons momentos, das qualidades.

O primeiro raciocínio me faz acreditar que é a covardia. É a falta de sinceridade, autenticidade, de falar que um canalha vivo continua canalha depois de morrer. Mas as pequenas coisas, bem, essas me fazem pensar.

Hoje no café da manhã, após voltar do Hospital, comia lembrando de como o Jazz se apoiava em nossa perna pedindo qualquer migalhinha que fosse. Quando por acidente derrubávamos uma lasca de pão, ele ferozmente mandava goela abaixo, numa velocidade que acredito eu, beirava a 99,9% da velocidade da luz. Sério.

Lembrando de tudo isso, minha vontade era abrir a geladeira, agarrar a parte de cima da porta e traze-la abaixo deixando cair sobre o chão tudo que estivesse dentro, invadir a dispensa e arrastar com o braço esticado todos os pacotes de bolacha, macarrão e chocolates disponíveis, polvilhar o bolo Pullman que sobrava na bancada por toda a área de serviço. Tudo para que o Jazz aparecesse, devorando aquele banquete. E nós ficaríamos ali, observando sua festa, sua orgia gastronômica, percebendo que ficar bravo era besteira. Que isso não importava, que afinal a maioria das coisas que nos irritam no dia-a-dia, não vão fazer a mínima diferença no final das contas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Bela homenagem. Pra nós que preferimos esses seres aos humanos, fica de verdade a saudade.
Força amigo...
MM

Samira disse...

Ahh Kris... É uma saudade sem tamanho... E não é um problema falar dos defeitos, é que eles parecem tão pequenos perto de todas as coisas boas q vc tem pra lembrar... :) Fique bem!! Bjão

Kris Arruda disse...

Valeu, gente.

Thierry disse...

linda a homenagem! estou acompanhando seus escritos há algum tempo. inicialmente, cheguei aqui com fins acadêmicos, afinal estou me formando em moda e meu projeto final se propõe a analisar a nova moda masculina atual e o perfil do homem que se apropria dela. e, acredito que você, com seus escritos, com sua forma de ver as coisas, parece-me bem próximo ao públlico-alvo que eu busco a atingir... anyway, parabéns pelo texto, simples mas de grande sensibilidade!

Kris Arruda disse...

Po, brigadão, Thierry. Que bom que gostou da homenagem e tomara que meus desabafos e bobagens sejam úteis no seu trabalho. Abs.